Autor:
Nelson Rodrigues nasceu na cidade de Recife-PE, em 23 de agosto de 1912, é o quinto filho de Maria Esther Falcão e o ex-deputado federal e jornalista Mário Rodrigues. Foi um jornalista e escritor brasileiro, tido como o mais influente dramaturgo do Brasil. Foi repórter policial durante longos anos, de onde acumulou uma vasta experiência para escrever suas peças a respeito da sociedade. O seu grande sucesso veio com Vestido de Noiva, que trazia, em matéria de teatro, uma renovação nunca vista nos palcos brasileiros. Veio a falecer em 21 de dezembro 1980, no Rio de Janeiro. Em 1965 ele escreveu “Toda Nudez Será Castigada”.
Nelson Rodrigues escreveu 17 peças teatrais, porém só vou destacar algumas.
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A serpente
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Anjo Negro
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A mulher sem pecado
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A falecida
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Vestido de noiva
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Álbum de família
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Senhora dos Afogados
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Dorotéia
Obra:
Herculano é um viúvo que jura para o seu filho, Serginho, que nunca mais irá casar com nenhuma mulher ou ter qualquer relação com a mesma, porém seu irmão, Patrício, que vive à custa de Herculano, resolve apresenta-lo a uma prostituta, Geni, e com ela casa-se, assim fazendo com que Herculano quebre seu juramente que tinha feito ao filho. Serginho, fascinado em vingar-se de seu pai, pretende acabar com o casamento do pai, deixando de lado suas tendências homossexuais e fica tendo um caso com sua madrasta Geni, que está apaixonada por Serginho e não pensa duas vezes. Porém, Serginho parte com o ladrão boliviano que o estuprou no presídio.
PROJETO DE CENA
Herculano
Ator: José Arthur
Características principais: Homem conservador e trabalhador que tem uma imagem a zelar.
Figurino: Óculos, terno, gravata preta e sapato social preto.
Maquiagem Não tem maquiagem
Geni
Atriz: Beatriz Figueiredo
Características principais: Uma mulher da vida, uma mercenária, que faz tudo em troca de dinheiro.
Figurino: Saia preta curta e colada; blusa colocada, salto alto e uma bolsa.
Maquiagem: Batom vermelho, sobra de cores bem vivas, berrantes e o cabelo solto.
Patrício
Ator: Janderson Sales
Características principais: Homem do mundo, que vive as custas do irmão, Herculano.
Figurino: Paletó, sapato social preto e camisa social.
Maquiagem: Não tem maquiagem
Tia
Atriz: Ana Tereza
Características principais: Uma beata e conservadora.
Figurino: Vestido preto longo, sapato social preto fechado e baixo. Usa óculos.
Maquiagem: Um coque.
Serginho
Ator: João Pedro
Características principais: Filho de Herculano
Figurino: Óculos, camisa social preta, calça social preta e sapato social preto.
Maquiagem: Não tem maquiagem
CENÁRIO - Dois caixotes, representando a cama, lençol branco para cobrir a cama e um travesseiro. Um caixote, para ser o banco da praça, os mesmos caixotes para ser o sofá da sala e um jarro de flores.
SONOPLASTIA – No ambiente da casa, música tranquila, constante. Na rua som de chuva e logo após o barulho do vento.
ILUMINAÇÃO – Quando a cena estiver passando-se no quarto de Herculano, a luz será média, quando estiver na rua, luz baixa e retomando a casa, luz média. Todas as luzes serão da sala da banda.
ESPAÇO DRAMATICO – O quarto de Herculano, a sala da casa dele e a rua.
ESPAÇO CÊNICO – Sala da banda. O palco da sala da banda representará o espaço onde acontecerá a cena e o espectador ficará na bancada da plateia.
CENA ADAPTADA
(Quarto de Herculano, que está se vestindo. Sentado na cama põe talco nos pés. Entra Serginho. Para olhando o pai, que ainda não o viu. Herculano assovia.)
SERGINHO— Meu pai.
(Herculano vira-se em sobressalto.)
HERCULANO — Ah! Serginho! Chegou quando?
SERGINHO (tenso) — O senhor agora põe talco nos pés?
(Herculano levanta-se para beijá-lo. Serginho recua.)
SERGINHO — Não.
HERCULANO — Você recusa o meu beijo?
SERGINHO — E o seu luto, papai? (triunfo) Recuso. Recuso o teu beijo.
(muda de tom) E o senhor tirou o luto por quê?
HERCULANO — Está me chamando de “senhor” e não de “você”!
SERGINHO — O seu luto? O seu luto?
HERCULANO — Vamos conversar com calma, meu filho. Eu não tirei o luto.
(escolhe as palavras) Apenas, apenas, como não se usa mais.
SERGINHO (contido)—Não se usa mais. (impulsivamente) Porque não se usa mais, o senhor esqueceu mamãe, esqueceu?
HERCULANO — Nunca! Serginho, vem cá, senta, meu filho!
SERGINHO — Estou bem assim.
HERCULANO — Você sabe, meu filho, não sabe que o amor da minha vida foi sua mãe?
SERGINHO (cortando) — Há quanto tempo o senhor não vai ao cemitério?
HERCULANO (desconcertado) — Mas eu vou! Vou! Outro dia fui!
SERGINHO (fremente) — Vai todo o dia como eu? Quando estou aqui, não falto um dia!
HERCULANO — Meu filho, eu faço questão de explicar tudo. Não quero que. Por exemplo: — o luto. Só saio de gravata preta.
SERGINHO (desesperado) — E basta? (quase chorando) Mamãe morre e o senhor põe gravata preta. Pronto. Eu acho lindo uma família de luto fechado.
(Herculano muda de tom. Quer ser grave.)
HERCULANO — Meu filho, precisamos ter uma conversa séria. De homem para homem. Você é um adulto, Serginho. Não pode ter reações de.
SERGINHO — Reações de quê?
HERCULANO — Há uma coisa que se chama senso comum.
SERGINHO (cortando) — O senhor me responde uma pergunta?
HERCULANO (num apelo) — Me chama de você!
SERGINHO — O senhor ainda gosta de mamãe?
HERCULANO — Você fala como se sua mãe estivesse viva!
SERGINHO (feroz)—Pra mim está! (fora de si) Vou ao cemitério e converso com o túmulo. Mamãe me ouve! Não responde, mas ouve! E, à noite, entra no meu quarto.
HERCULANO — Meu filho, você está com os nervos, entende?
SERGINHO (caindo em si) — O senhor não respondeu se gosta de minha mãe?
HERCULANO (nítido e forte) — Tenho pela memória de sua mãe.
SERGINHO (num repente histérico) — Memória, memória, é só isso que o senhor sabe dizer? Papai, eu vim aqui lhe fazer uma pergunta, só uma pergunta. (muda de tom, apaixonadamente) O senhor se mataria por mamãe?
HERCULANO— Eu sou católico.
SERGINHO (desesperado) — Isso não é resposta!
(Apaga-se a luz sobre Herculano e Serginho. Passagem para Geni que abre o guarda-chuva. Chega Herculano.)
GENI — Bonito papel!
HERCULANO (sôfrego) — Desculpe. Perdão, meu anjo!
GENI — Você me deixa aqui, quarenta minutos debaixo de chuva!
HERCULANO (atarantado) — Vamos sair daqui, vamos sair daqui.
GENI — E teu carro?
HERCULANO — Deixei lá do outro lado. E vim a pé, pra não chamar atenção.
GENI — Tem medo de tudo!
HERCULANO (doce) — Não podemos ser vistos.
GENI (furiosa) — Claro! Eu sou uma vagabunda!
HERCULANO — Não é isso. Ali tem um café.
GENI — O cúmulo!
HERCULANO (suplicante) — Vamos. Vem.
GENI — Lá tem muito homem. E não tem nem lugar pra sentar.
HERCULANO (olhando em torno) — Não passa nem táxi!
GENI — Demorou por quê?
HERCULANO — Imagine! Meu filho apareceu quando eu ia saindo.
GENI (sardônica) — Logo vi!
HERCULANO — Pois é. Tive que ficar. (vivamente) Uma tragédia!
GENI — Teu filho é uma bolha!
HERCULANO (doce) — Não fala assim!
GENI — E por que não? Falo, falo!
HERCULANO — Você não conhece Serginho. Bom menino, sentimental.
Menino de ouro.
GENI — Também não vou com a cara das tuas tias.
HERCULANO — Você nem conhece as minhas tias! São umas santas!
GENI (afetada) — Eu é que não presto, evidente!
HERCULANO (suplicante) — Ah, se você soubesse a conversa que tive com meu filho! Conversa horrível.
GENI — O culpado é você! Você dá confiança demais. Meu pai quando era vivo. Você pensa? Eu que me fizesse de tola. Meu pai me metia à mão na cara!
HERCULANO — Sou contra pancada, sempre fui! Meu anjo, fecha o guarda-chuva, que parou de chover.
GENI (mudando de tom) — Bem, você me chamou pra quê?
HERCULANO (gentil e sofrido) — Queria te ver.
GENI (bem ordinária) — Ah, bom! Já começa! (muda de tom, violenta)
Você fez um carnaval no telefone, que não sei o quê etc. Isso depois de passar um mês — 28 dias, 28 dias! — sem me dar a mínima pelota. Hoje, telefona. Diz que precisava ter uma conversa “séria”. Você disse “conversa séria” comigo. Eu estou aqui. Qual é o papo? Vamos ver.
HERCULANO — Meu bem, você não me entendeu.
GENI (triunfante) — Entendi, sim! (muda de tom, incisiva) Fala como homem! Tapeação pra cima de mim, não!
HERCULANO — Olha esse tom, Geni!
GENI — Não tenho outro. E vem cá. Escuta. Por que é que eu hei de ser delicada, eu não sou digna nem de sentar a bunda no teu carro?
HERCULANO (desesperado) — Eu expliquei. São razões de família. Todo o mundo conhece meu carro.
GENI — E daí?
HERCULANO — Vamos conversar, sim, claro. (olha em torno) Mas. Se, ao menos, aparecesse o miserável de um táxi.
GENI — Não aporrinha Herculano! Fala aqui, diz logo, pronto!
HERCULANO (grave) — Uma pergunta. Você gosta de mim? Gostou de mim?
GENI (atônita) — Que palpite é esse?
HERCULANO — Geni, não é palpite. Quer responder?
GENI — Sujeito burro! (mudando de tom, trinca os dentes) Só de olhar você — e quando você aparece basta a sua presença — eu fico molhadinha!
HERCULANO (realmente chocado) — Oh, Geni! Por que é que você é tão direta, meu bem?
GENI (desesperada de desejo) — Vocês homens são bobos! Está pensando o que da mulher? A mulher pode ser séria, seja lá o que for. Mas tem sua tara por alguém. (muda de tom) Olha as minhas mãos como estão geladas. Segura, vê. (ofegante) Geladas!
HERCULANO (amargurado) — Amor não é isso!
GENI (furiosa) — Me diz então o que é que é amor?
HERCULANO — Certas coisas, a mulher não diz, não deve dizer. Pode insinuar. Insinuar. Mas não deve dizer. Delicadeza é tudo na mulher.
GENI (na sua cólera contida) — Hoje tudo que é mulher diz puta que o pariu. Ah, de vez em quando, você me dá vontade, nem sei.
Vontade de te quebrar a cara, palavra de honra. Desconfio que você gosta de apanhar. Há homens que gostam.
HERCULANO — Que conversa baixa!
GENI (indignada) — Ainda por cima, me esculhamba! Vou-me embora!
(Geni quer afastar-se. Herculano se arremessa.)
HERCULANO — Vem cá!
GENI— Tira a mão!
HERCULANO (impulsivamente) — Geni, eu não te disse o principal.
(Geni vira-se apaixonadamente.)
GENI (sôfrega) — E você? Você gosta de mim?
(Pausa.)
HERCULANO (vacila) — É o seguinte, o seguinte. Eu te conheço há pouco tempo. Quer dizer, não há entre mim e você uma certa convivência.
GENI (furiosa) — O que é que não há entre nós se já houve tudo?
HERCULANO — Não é disso que eu estou falando, Geni.
GENI — De vez em quando, você tem uns fricotes de bicha!
HERCULANO (quase explodindo) — Posso falar?
GENI — Você só sabe é falar!
HERCULANO (incisivo) — Olha aqui. Eu não posso gostar de você, gostar mesmo, de verdade — enquanto você não deixar essa vida. Ou você não me entende? Quer largar essa vida, agora, (repete) agora, neste minuto? Você abandona tudo, tudo! Não pode voltar lá nem pra apanhar a roupa! Tem coragem?
GENI (veemente) — E você casa comigo?
HERCULANO (rápido e veemente) — Você não respondeu!
GENI — Nem você!
HERCULANO — Eu perguntei primeiro.
GENI (começando a chorar) — Está bem. Não volto mais pra lá. Nunca mais. Não é isso que você quer? Deixo tudo, roupa, deixa.
HERCULANO — Sapato, tudo!
GENI — Bem e.
HERCULANO (excitado) — Roupa não interessa. Dou-te muito mais. Dinheiro, graças a Deus, não é problema. Você compra um enxoval completo.
GENI (sôfrega e humilde) — E você, casa comigo?
(Por alguns momentos, fica o suspense. Apaga-se a luz sobre Geni e
Herculano. Aparece luz sobre uma das tias. Lá aparece Herculano.)
HERCULANO — A bênção.
TIA (taciturna) — Te abençoe. — Vai ter aquele cafezinho? (taciturna) — Te abençoe.
HERCULANO — Vai ter aquele cafezinho?
TIA (com a voz grossa) — Menino, o que é que você anda fazendo?
HERCULANO (com um riso falso) — Fazendo — como? Nada, por quê?
TIA (plangente) — Eu te conheço, longe! Desde garotinho, que eu sei. Sei quando você está mentindo! Você está mentindo!
HERCULANO (perturbado) — Eu não entendo titia! A senhora me chama, eu venho. Peço um café e a senhora me recebe com quatro pedras?
TIA — Por que é que você ficou vermelho?
HERCULANO — Absolutamente!
TIA (plangente) — Vermelho, sim! Você me dá pena, Herculano! Ou você se esquece que tem um filho?
HERCULANO — Mas que foi que eu fiz? Ao menos me diga.
TIA (incisiva) — Olhe pra mim! Olhe!
HERCULANO — Pronto!
TIA — Não! Não vire o rosto. (rápida e desesperada) — Foram dizer a seu filho que você passou três dias e três noites numa casa de mulheres!
HERCULANO (sob o impacto) — Eu?
TIA — Três dias e três noites com uma prostituta!
HERCULANO (desesperado) — Mas é falso! Rigorosamente falso! Todos os meus amigos sabem que eu tenho horror, horror da prostituta.
Nunca entrei numa casa de mulheres. Só entrei uma vez. Em solteiro. Eu era rapazinho. Entrei e fugi logo, nunca mais.
Entenda! Esse assunto, aliás. Mas compreendeu? Simplesmente, eu não acho a prostituta mulher. Não é mulher!
TIA (lenta e profética) — Se acontecer alguma coisa a teu filho, o que acontecer a teu filho cairá sobre ti!
HERCULANO (feroz) — Se eu souber — e acho que sei. Mas se souber quem foi o sujeito — eu mato! Eu mato!
(Apaga-se a luz sobre os dois. Foco iluminando Patrício. Entra
Herculano. Rápido, agarra o irmão pela gola do paletó.)
HERCULANO (quase chorando) — Seu canalha! Então, você?
PATRÍCIO (sem reagir e com desesperado cinismo) — Você me insulta, porque me dá dinheiro! Insulta porque me paga!
(O riso de Patrício é quase choro.)
HERCULANO — Você foi dizer a meu filho.
PATRÍCIO — Pode até me bater, bate! Porque eu estou precisando de dinheiro. (fala sem parar, sôfrego, ofegante) Herculano, eu comprei um automóvel de segunda mão, uma lata velha. Assinei umas letras, que o dono topou. Quem vai pagar é você!
HERCULANO — De mim não vê um vintém! Ande a pé! E olha!
PATRÍCIO (interrompendo tumultuosamente) — Eu não disse nada! Juro, quer que eu jure? Não fui eu! (baixando a voz, sôfrego, implorante) Vou te contar a verdade, a verdade! Imagine que as nossas tias, antes de mandarem a roupa para a lavanderia, examinam as tuas cuecas!
HERCULANO — Você está louco!
PATRÍCIO — Palavra de honra! Quero morrer leproso, se estou mentindo!
(exultante) E viram, pelas cuecas, que você é homem, o teu desejo pinga! (numa explosão selvagem) Você é homem, homem, homem!
HERCULANO — Patrício, não me adianta nada quebrar tua cara!
PATRÍCIO (no seu riso soluçante) — Realmente, é meio engraçado, não é?
Um homem acusado pelas cuecas!
HERCULANO — Vou te deixar morrer de fome!
(Herculano abandona a luz. Patrício fica gritando.)
PATRÍCIO (berrando) — Herculano! O ser humano é louco! E ninguém vê isso, porque só os profetas enxergam o óbvio!