Sobre o autor:
Nelson Rodrigues nasceu em 23 de Agosto de 1912 e morreu em 21 de Dezembro de 1980. Mudou-se para o Rio de Janeiro já em 1916, e começou a trabalhar como repórter investigativo na adolescência no jornal do pai. Em 1940 começa a dividir seu tempo entre o jornal 'O Globo' e a elaboração de textos teatrais. Já em 1941 obtém sucesso estrondoso devido à peça Vestido de Noiva, lançando outras grandes obras até o fim da década de 40. Escreve 'A vida como ela é' no jornal a Última Hora em 1950. Devido aos seus problemas de saúde começa a decair na década de 70, o que provoca seu falecimento em 1980.
Outras obras do autor: Album de Família; Bonitinha, mas ordinária; Vestido de noiva; Doroteia; A falecida.
Resumo da peça: Acontecimentos principais.
A peça conta a história da Família Drummond após duas filhas serem afogadas. Percebe-se que Misael e Dona Eduarda vivem um casamento triste. Também nota-se que Misael, o pai, é acusado do assassinato de uma prostituta que ocorreu no mesmo dia do seu casamento. Já no meio da peça, descobre-se que era verdade. Dona Eduarda foge com o noivo de Moema, o qual queria ferir a família, já que era o filho da prostituta e do marido, querendo vingança por Misael tê-la matado, além de existir um lance entre ele e D. Eduarda. Ao ficarem sozinhos, Moema revela a Misael que matou suas irmãs, e que possui profundo afeto por ele. Instiga-o, também, a matar a esposa. Dona Eduarda consuma a traição, é renegada por Moema que a chama de prostituta e no fim morre ao ter suas mãos cortadas. Paulo mata o noivo, e o resto da família também morre de diversas causas, menos Moema.
Projeto de Cena.
Personagens:
Moema: Ariely
D. Eduarda: Bianca
Vizinho 1: Alberto
Vizinho 2: Thairo
Paulo: Pedro
Iluminação: Ambiente
Sonoplastia: Os exatos 38 segundos iniciais da música deste vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=bPUrFHeFUaU
Figurino:
Moema de vestido preto e rasteirinha.
D. Eduarda de camisa branca, saia preta e sapatilhas.
Paulo de camisa azul, bermuda e sandálias.
Vizinho 1de calça jeans, camisa vermelha ou preta.
Vizinho 2 de bermuda, camisa amarela, tênis e óculos.
Cenário: 4 Cadeiras
Cena:
(Dentro da sala da casa dos Drummond. As quatro cadeiras estão dispostas uniformemente ao redor de Moema e de D. Eduarda)
D. EDUARDA - Desmancha esse casamento, Moema!
MOEMA - Eu sei que odeias meu noivo. Por que este ódio?
D. EDUARDA - Não me perguntes.
MOEMA - Ainda agora, querias tê-lo aqui...
D. EDUARDA - Se eu pudesse encheria, hoje, a casa de pessoas, mesmo de inimigos meus... Contanto que não ficasse sozinha, ou só com você... Estar com você é a pior maneira de estar sozinha!
MOEMA - Quero que diga - porque devo desmanchar o casamento?
D. EDUARDA - Direi... Vou te mostrar a alma desse homem... É preciso mandá-lo embora, antes que seja tarde... Eles vão dizer... (indica o grupo de vizinhos)
MOEMA - Quem?
D. EDUARDA - Os vizinhos.
(Os dois vizinhos aproxima-se das duas.)
VIZINHOS - Às suas ordens.
D. EDUARDA - Agora fala.
D. EDUARDA - Você que conhece todas as infâmias. Que faz o noivo de minha filha?
VIZINHO 1 - Passa o dia com três ou quatro mulheres...
VIZINHO 2 - Da vida. Mulheres da vida.
D. EDUARDA - Ouviste?
MOEMA - Continua.
VIZINHO 1 - Sempre bêbedo.
D. EDUARDA - E o corpo? Que tem ele no corpo?
VIZINHO 2 - Nomes de prostitutas... No peito, nas costas, em todo corpo, nome das vagabundas que ele conheceu...
D. EDUARDA - O que é que ele diz para todo o mundo ouvir?
VIZINHO 1 - Diz que talvez se case, mas só com uma mulher da vida. Só acha graça nesse tipo de mulher.
D. EDUARDA - Quer mais?
MOEMA - Basta.
(Os vizinhos recuam. Vão se colocando de costas para a cena em curso)
MOEMA - Diz que me ama... E beija as minhas mãos... Quase não olha para o meu rosto... Como se fosse noivo apenas delas... Nunca me beijou na boca... (olha as próprias mãos como se estas tivessem um mistério; aperta a cabeça entre as mãos) E por que, meu Deus, por quê?
(Olha novamente as mãos, com espanto; D. Eduarda tem exatamente o mesmo movimento. E, por um momento, as duas se esquecem de tudo para examinar as próprias mãos)
(Sonoplastia, enquanto a cena a seguir ocorre)
MOEMA (Para D. Eduarda) - Por que não paras com estas mãos? Por que não lhes dá sossego?
D. EDUARDA - Eu não mando em minhas mãos. Eu não quero e elas fazem assim!
(Mãe e filha, com uma expressão de sofrimento profundo, têm o mesmo gesto fúnebre; unem as mãos na altura do peito e entrelaçam os dedos)
(Quando a sonoplastia acabar)
MOEMA - Mãe!
D. EDUARDA - Fala.
MOEMA - Eu não vou desmanchar meu noivado... Se eu me casar com esse noivo, será um desmantelo meu, e não seu... Eu tenho direito de sofrer em paz uma desgraça que me pertença...
D. EDUARDA - Então, que Deus te salve!
(Entra Paulo, o irmão de Moema e filho de D. Eduarda. Muito jovem e bonito, com algo infantil ou de feminino nos gestos e na fisionomia atormentada. Os três juntam-se no meio da cena.)
D. EDUARDA - Paulo, no dia em que morreu tua irmã, tu devias estar aqui... Chorando a que morreu, comigo e com Moema...
PAULO - Eu estava no mar...
MOEMA - No mar?...
PAULO - Procurando o corpo de minha irmã. Eu e teu noivo...
D. EDUARDA - Ele?
PAULO - Íamos passar toda a noite procurando. Mas apareceu não sei quem e disse que a mãe de teu noivo voltara da ilha e estava na cidade... Então, ele gritou e, depois, cantou... Parecia doido... Há muitos anos que não via ela...
MOEMA - Não quero que procures mais o corpo de tua irmã... Não sentes que atormentas Clarinha, que irás irritá-la? É preciso não atrair o ódio dos afogados!
D. EDUARDA - Paulo.
PAULO - Mãe.
D. EDUARDA - Vamos orar por tua irmã...
PAULO - Não posso.
D. EDUARDA - Por Clarinha, Paulo!
PAULO - Desejaria rezar, mas não posso... Não consigo pensar em minha irmã... Só penso em meu pai...
D. EDUARDA - Todos esquecem de Clarinha!
PAULO - Há anos que só penso no que falam de meu pai... E digo a mim mesmo - meu pai não mataria ninguém - muito menos uma vagabunda do cais do porto... Dizem também que ele sujou as mãos de sangue e enxugou as mãos numa toalha... Moema jura que meu pai não matou essa prostituta... Jura que não enxugou as mãos na toalha. Jura Moema...
MOEMA - Juro.
PAULO - Por Deus!
MOEMA - Por Deus...
D. EDUARDA - Por Deus, não!
PAULO - O pior tu não sabes - nem mamãe... Faz hoje 19 anos que a mulher foi morta...
D. EDUARDA - Também hoje é aniversário do nosso casamento...
MOEMA - Eu não sabia que tinha nesta data, há 19 anos... Não sabia...