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           Autor: Dias Gomes

 

           Dias Gomes (Alfredo de Freitas Dias Gomes) escreveu o Santo Inquérito em 1966 (durante a Ditadura Militar no Brasil), nasceu em Salvador em 19 de Outubro de 1922 e iniciou-se ainda adolescente na literatura quando aos 15 anos escreveu sua primeira peça: A comédia dos moralistas. Aventurou-se no rádio, primeiramente na Rádio Pan-Americana em São Paulo, fazendo adaptações de suas peças entre os romances que passou a escrever.

Dias Gomes foi militante em defesa da liberdade de expressão devido à censura que sofreu com a exibição de suas peças durante o Ato institucional 1. Nesta ocasião foi contratado pela TV Globo, em 1969, onde produziu inúmeras telenovelas, minisséries e seriados. O autor faleceu em 1999.

Obras: O bem-amado (1962); O berço do herói (1963); A comédia dos moralistas (1939); O pagador de promessas (1959); Zeca Diabo (1943).

Fonte: http://www.infoescola.com/escritores/dias-gomes/

 

            Obra: O Santo Inquérito

 

            Branca, por coincidência, encontra Padre Bernardo afogando - se e acaba por salvar a vida do mesmo. E como “troca”, este promete lhe proteger dos males. Com tal intenção, acusa atitudes de Branca como heresias e ela tem que ser julgada pelo Santo Ofício para “tirar o Diabo” de suas proximidades, juntamente com seu pai e seu futuro esposo. Branca e Augusto queriam casar – se, mas tal desejo foi interrompido. Durante o julgamento, Branca estava sendo persuadida a admitir seus prováveis erros, como: Bíblia traduzida para o português, tomar banho e trocar a roupa nas sextas e várias outras acusações. Por ver que seu esposo havia morrido de tanto apanhar, insistindo em manter sua dignidade e preservar sua verdade, Branca não hesita em defender também a sua verdade e acaba por ser punida pelo tribunal, teve que ser queimada viva na fogueira.

 

 

 

PROJETO DE CENA

Personagens:

 

Branca: Mulher apaixonada por Augusto.Branca era bastante questionadora, um tanto ingênua e acreditava nas verdades de seu marido.

 

- Figurino: Vestido longo branco; calçado rasteiro.

 

- Maquiagem: Boca vermelha e o rosto um tanto pálido (maquiagem branca).

 

-Atriz: Ariely.

 

 

Simão: Simão era camponês, chegava sujo em casa pela dura vida que levava tendo que trabalhar andando no barro. Tinha grande preocupação com sua filha.

 

-Figurino: Camisa branca, calça bege e calçado rasteiro.

 

- Maquiagem: Cabelo e bigode grisalho; rosto um pouco sujo com maquiagem marrom, representando barro.

 

-Ator: Thairo

 

 

Padre: Buscava mostrar a Branca seus erros, seus atos de heresia. Apresenta bastante paciência.

 

- Figurino: Túnica preta e anda carregando crucifixo; calçado rasteiro.

 

- Maquiagem: Com parte da cabeça sem cabelo.

 

-Ator: Pedro

 

 

Visitador: Acompanha o Padre e a acusada. Dá as condições e regras para a julgada.

 

- Figurino: Túnica preta e calçado rasteiro.

 

- Maquiagem: Natural.

 

-Ator: Alberto

 

 

Guarda: Preserva a segurança de ambas as partes e intimida o acusado com agressões para dizer a verdade.

 

- Figurino: roupa resistente, com couro e metal resistente, capacete, botas, anda armado com uma espada e tem um detalhe no peitoral, uma cruz vermelha.

 

-Maquiagem: Natural.

 

-Atriz: Bianca.

 

Iluminação: Ambiente. Utilização da iluminação da sala da banda.

Sonoplastia: Cálice – Chico Buarque.

Cenário: Um colchonete e um banco para representar uma cela de prisão; Um toco e madeiras para representar a fogueira em que Branca é queimada, amarrada.

Espaço Cênico: Sala da Banda IFRN – CNAT.

Espaço dramático: Cela em uma igreja e um plano superior da mesma, onde Branca foi para a fogueira

 

 

 

 

ADAPTAÇÃO

 

Segundo Ato

 

GUARDA: (Entra.) Que algazarra é essa? Estamos num convento.

 

BRANCA: Houve um equívoco! Não sou eu a pessoa!

 

GUARDA: Que pessoa?

 

BRANCA: A que procuram.

 

GUARDA: Procuram alguém?

 

BRANCA: Claro.

 

GUARDA: Claro por quê?

 

BRANCA: Tanto que me prenderam.

 

GUARDA: E por que prenderam você?

 

BRANCA: Não sei.

 

GUARDA: Devia saber. Isso piora a sua situação.

 

BRANCA: Piora? O senhor sabe por que estou aqui?

 

GUARDA: Não.

 

BRANCA: Então é uma prova! O senhor é quem devia saber!

 

GUARDA: Por que eu devia saber?

 

BRANCA: Porque é guarda.

 

GUARDA: Não diga tolices. Os denunciantes denunciam, os juízes julgam, os  guardas prendem, somente. O mundo é feito assim. E deve ser  assim, para que haja ordem.

 

BRANCA: E os inocentes?

 

GUARDA: Devem provar a sua inocência, de acordo com a lei.

 

BRANCA: Mas não está certo.

 

GUARDA: Se não está certo, não me cabe a culpa. Sou guarda. E não foram os guardas que fizeram o mundo. (Sai.)

 

BRANCA: Está errado... Cada pessoa conhece apenas uma parte da verdade. Juntando todas as pessoas, teríamos a verdade inteira. E a verdade  inteira é Deus. Por isso as pessoas não se entendem, por isso há tantos equívocos.

 

PADRE: (Entra.) Infelizmente, não há equívoco nenhum de nossa parte, Branca. É você mesma quem está em perigo. Mas poderá salvar-se.

BRANCA: Como? Se me deixam aqui, sozinha, abandonada... O senhor mesmo, padre, o senhor me abandonou!

 

PADRE (Ele sente profundamente a acusação.): Não diga isso! Eu tenho rezado muito... E não tenho me afastado daqui, das proximidades de sua cela. À noite, tenho passado horas e horas andando no corredor, até sentir-me exausto e poder dormir.

 

BRANCA: Não entendo. Se o senhor não pode ajudar-me, quem poderá? Para quem devo apelar, além de Deus? Meu pai? Meu noivo?

 

PADRE: Também eles nada poderão fazer por você; ambos foram presos.

 

BRANCA: Presos? Por quê?

 

PADRE: O visitador do Santo Ofício promulgou um tempo de graça. Aqueles  que não se aproveitaram desse gesto misericordioso não só para confessar-se, mas também para denunciar as heresias de que tinham conhecimento, deverão comparecer perante o Tribunal.

 

BRANCA: Mas eles...

 

PADRE: Além de culpados de pequenas heresias, são testemunhas importantes do seu processo.

 

BRANCA: Que vai a Igreja fazer comigo?

 

PADRE: Inicialmente, protegê-la; depois, tentar recuperá-la; finalmente, julgá-la.

 

BRANCA: Entendo.

 

Muda a luz. Surge o Visitador no plano superior. O Padre e Branca ficam no plano inferior, enquanto o Guarda surge e permanece ao fundo.

 

VISITADOR: Ajoelhe-se.

 

BRANCA: Ajoelhar-me diante de vós? Com ambos os joelhos?

 

VISITADOR: Sim, com ambos os joelhos.

 

BRANCA: Perdão, mas não posso fazer isso.

 

VISITADOR: Por que não?

 

BRANCA: Porque ninguém deve ajoelhar-se diante de uma criatura humana.

 

VISITADOR: E essa agora! Perdeu a cabeça?

 

PADRE: Um momento, senhores. Ela talvez tenha motivos que devamos considerar. (Dirige-se a Branca com brandura.) Por que diz isso?

 

BRANCA: Foi o que aprendi na doutrina cristã: somente diante de Deus devemos nos ajoelhar com ambos os joelhos.

 

VISITADOR: Aqui se trata de um costume do Tribunal. O réu deve estar de joelhos  quando é examinado sobre a doutrina e também quando é lida a sentença.

 

BRANCA: Mas se foi nessa mesma doutrina que aprendi que não devo ajoelhar-me...

 

VISITADOR (Impacienta-se.):  Bem, vamos abrir uma exceção. Pode ficar de pé.

Jura sobre os Evangelhos dizer toda a verdade?

 

BRANCA (Hesita.): Toda a verdade? Como posso prometer dizer toda a verdade, se nem sequer sei sobre que vão interrogar-me? Não tenho a sabedoria dos padres jesuítas, sou uma pobre criatura ignorante.

 

VISITADOR (Tem um gesto de contrariedade.): Mas tem de jurar. É praxe.

 

BRANCA: Jurar o que não sei se vou poder cumprir?

 

VISITADOR: Se não jura, não tem valor o depoimento.

 

PADRE: Branca, só se exige que você diga a verdade que for de seu conhecimento.

 

BRANCA: Bem, se é assim... (Coloca a mão sobre o livro.)

 

VISITADOR: Jura?

 

BRANCA: Juro.

 

PADRE: Você ainda não sofreu nenhum castigo, Branca; a prisão é uma medida exigida pelo processo.

 

VISITADOR: Essa medida foi tomada com base nas denúncias e provas que temos contra você.

 

BRANCA: Denúncias e provas? De quê?

 

VISITADOR: De heresia e prática de atos contra a moralidade.

 

BRANCA (Mostra-se perturbada com a acusação.): Heresia... Atos contra a moralidade... Talvez essas palavras tenham outra significação para os senhores. Pelo que eu entendo que querem dizer, não posso, de modo algum, aceitar a acusação.

 

PADRE: Branca, pense bem no que está fazendo, meça com cuidado suas palavras e atitudes. Como disse o senhor bispo, estamos aqui para tentar reconciliá-la com a fé. Mas isso depende muito de você.

 

BRANCA: Mas que querem? Que eu me considere uma herege, sem ser?

 

PADRE: De nada lhe adiantará negar-se a reconhecer os próprios pecados. Essa atitude só poderá perdê-la.

 

VISITADOR: Parece que é isso que ela está querendo.

 

PADRE (Sua voz desce a um tom de oração.): Branca, você está diante do visitador do Santo Ofício. Ele tem autoridade para puni-la. Leve ou duramente — depende de você. Aproveite a misericórdia deste Tribunal, misericórdia que você não encontraria num tribunal civil.

 

BRANCA: Aproveitar, como?

 

PADRE: Da única maneira possível: declarando-se arrependida de todos os pecados que cometeu. Dos pecados mortais e veniais e dos pecados que bradam aos céus.

 

VISITADOR: Veja, Branca, que este é um Tribunal de clemência divina. Seu simples arrependimento, se sincero, poderá salvá-la. Qual o tribunal civil que absolve um criminoso por ele estar arrependido?

 

PADRE (Vendo que ela está indecisa, quase numa súplica.): Branca...

 

BRANCA (Sem muita firmeza.): Sim, eu estou arrependida. Mas o meu arrependimento terá valor, se não estou convencida de ter praticado esses pecados?

 

VISITADOR: E por não estar convencida disso seria capaz de praticá-los novamente?

 

BRANCA: Acho que não...

 

PADRE: Seria bom chamar Augusto Coutinho. (Sabe que o mesmo faleceu.)

 

O Guarda sai e volta sem Augusto. Surge Simão lentamente e com tristeza explícita em sua face, abraçando sua Branca.

 

BRANCA (Num sussurro.): Morreu! (Mais forte.) Eles o mataram! (Seus joelhos vergam, repete baixinho.) Eles o mataram... Eles o mataram...

 

SIMÃO: Eu sabia que ele não ia resistir. Estava vendo!... depois de tudo, ainda o penduraram no teto com pesos nos pés e o deixaram lá...  Quando os guardas voltaram, ainda tentaram reanimá-lo, mas...

 

BRANCA (Sua dor se traduz por um imenso silêncio. Subitamente:): E o senhor não podia ter feito nada?!

 

SIMÃO: Eles têm leis muito severas para aqueles que ajudam os hereges. Eu já estava com a minha situação resolvida, ia ser posto em liberdade...

 

BRANCA: Augusto morreu porque o senhor não foi capaz de levantar um dedo em sua defesa.

 

SIMÃO: Não foi bem assim...

 

BRANCA: Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do sol.

 

SIMÃO (Olha a filha horrorizado.):  Que Deus se compadeça de você!

 

O Guarda entra e arrasta Simão.

Muda a luz. O Visitador e o Padre Bernardo entram.

 

VISITADOR: Branca, vamos, mais uma vez, dar provas de nossa tolerância. Vamos permitir que permaneça de pé, enquanto leio o ato de abjuração que você deverá assinar.

 

O Visitador toma posição, desenrola um papel.

 

BRANCA: É inútil, senhores. Não vou abjurar coisa alguma. O que quero, o que espero dos senhores, é minha absolvição.

 

PADRE: Pela última vez, Branca...

 

VISITADOR (Interrompe.): Não adianta, padre, o senhor nada conseguirá dela.

 

PADRE: Eu lhe suplico, senhor visitador, apelo para sua imensa misericórdia, dê-lhe uma última oportunidade.

 

VISITADOR: Já lhe demos todas. Acho que nos iludimos com ela desde o princípio. Sua obstinação e sua arrogância provam que tem absoluta consciência de seus atos. Não se trata de uma provinciana ingênua e desorientada; tem instrução, sabe ler e suas leituras mostram que seu espírito está minado por ideias exóticas. Declara-se ainda inocente porque quer impor-nos a sua heresia, como todos os de sua raça. Como todos os que pretendem enfraquecer a religião e a sociedade pela subversão e pela anarquia.

 

BRANCA: Mas senhores, eu não pretendi nada disso! Nunca pensei senão em viver conforme a minha natureza e o meu entendimento, amando Deus à minha maneira; nunca quis destruir nada, nem fazer mal algum a ninguém!

 

VISITADOR (Corta-lhe a palavra com um gesto.):  Seu caso já não é conosco, Branca. O Tribunal eclesiástico termina aqui a sua tarefa. O braço secular se encarregará do resto.

 

BRANCA (Receosa): Que resto, senhor?

 

VISITADOR: O poder civil, a quem cabe defender a sociedade e o Estado, vai julgá-la segundo as leis civis. Nós lamentamos ter de declará-la separada da Igreja e relaxada ao braço secular. Deus e todos vós sois testemunhas de que tudo fizemos para que isto não acontecesse. Procedemos a um longo e minucioso inquérito, em que todas as acusações foram examinadas à luz da verdade, da justiça e do direito canônico. À acusada foram oferecidas todas as oportunidades de defesa e de arrependimento. Dia após dia, noite após noite, estivemos aqui lutando para arrancar essa pobre alma às garras do Demônio. Mas fomos derrotados. Desgraçadamente.  (Sai, seguido do Notório e dos padres.)

 

BRANCA: Os senhores foram derrotados... E eu?

 

PADRE: Você, Branca, vai amargar a sua vitória.

 

BRANCA: Eu sei. E sei também que não sou a primeira. E nem serei a última.

 

Os guardas entram e amarram-na pelos pulsos e pelo pescoço com cordas e baraço, e a arrastam assim por uma rampa para o plano superior, onde surgem os reflexos avermelhados da fogueira

PADRE (Caindo de joelhos.): Finalmente, Senhor, finalmente posso aspirar ao Vosso perdão!

 

 

Pedro Gabriel

© Cia Teatral Sinestesia

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